O que estou fazendo com as minhas partes que ficaram paradas?
O que está você fazendo com as suas.
O que estou fazendo para renovar o que há de antigo em mim, tão
arraigado que até já o suponho convicção?
O que você está fazendo com o que há de antigo em você, e que talvez se
exteriorize com a aparência de ser o mais moderno?
Somos como o ano velho. Como um montão de anos velhos, acumulados. Vivemos
a repetir o que já sabemos, o que já experimentamos. Repetimos, também,
sentimentos, opiniões, ideias, convicções. Somos uma interminável repetição,
com raras aberturas reais e verdadeiras para o novo do qual cada instante está
prenhe.
Somos muito mais memória do que aventura.
Somos muito mais eco do que descoberta.
Somos muito mais resíduo do que suspensão.
Somos muito mais eco do que descoberta.
Somos muito mais resíduo do que suspensão.
Somos indissolúveis, pétreos, papel carbono, xerox existencial,
copiadores automáticos de experiências já vividas, fotografias em série das
mesmas poses vivenciais. Somos um filme parado com a ilusão de movimento. Só acreditamos
no que conhecemos. Supomos que conhecer é saber.
O ser humano é feito de tal maneira inseguro que a sua tendência é
sempre a de reter as experiências e fazer da vida uma penosa e longa repetição
do já vivido. O ser humano adora repetir. Ele precisa repetir, porque não está
preparado para o novo de cada momento, para o fluir do Todo na direção da
Transformação Permanente. Ele é uma unidade estática e acumuladora, num cosmos
mutante e em permanente transformação.
Aceitar a mudança e a transformação é ameaçar tudo o que o homem
adquiriu e guarda com avareza, para tentar explicar a realidade e a vida. Mas
cada vez que o ser humano usa o instrumental guardado com tanta avareza para
explicar o real, este já se transformou e o que antes era eficaz, novo, “descoberta
importante”, logo se transformou numa informação parcial, num mero dado da
realidade. Esta é sempre mais rica. Está sempre grávida de transcendência.
Aí está o grande dilema: para explicar o real só temos a nossa
experiência anterior, mas esta só é válida no momento da sua revelação. Um
segundo depois já ficou parcial, relativa, incompleta. Não temos, então,
instrumental de aceitação do novo e o que temos fica mais velho e superado a
cada aplicação.
Por isso é mais cômodo, fácil e simples para o ser humano cair na
repetição do que já é, do que já sabe, do que já viveu. Ele chega a chamar isso
de “conhecimento”, quando é, apenas, cristalização de um saber anterior.
Por isso o ser humano tende tanto ao conservadorismo: atingida uma
conclusão, montado um sistema de interpretação da realidade, logo o ser humano
se aferra a ele (sistema) e, numa extensão, aplica-o a todo o real. Se o
sistema é lógico, então, a mente racional se satisfaz e com isso o homem se
supõe portador de uma verdade. Aferra-se então a ela, passando a ser um de seus
defensores. Cria, a partir da verdade na qual crê e passa a repetir escolas de
pensamento, doutrinas, religiões, ideologias, esquemas de interpretação da
realidade, correntes, seitas, crenças, opiniões, convicções e até fanatismos.
Cria uma espécie de dependência das próprias verdades. Passa de senhor a
escravo. E quanto mais escravidão mental, mais sensação de liberdade.
Sim, somos viciados na próprias crenças, dependentes das próprias
verdades, toxicômanos das próprias convicções. E, como ocorre em todas as
dependências, precisamos repetir as nossas verdades para que não caiamos no
pânico da dúvida, na ameaça da mutação. Inventamos uma pacificação ilusória e
grandiloquente. Seu nome: coerência.
Coerência passa a ser grande virtude. “Fulano, conheço-o há trinta anos.
Sempre na mesma posição. Tipo coerente está ali!” E assim saudamos a alguém que
parou no tempo, que tão logo ganhou uma convicção fechou-se a todas as demais.
Assim nas crenças, assim nas ideias e assim, também, nos sentimentos,
nas vontades e nos hábitos. Uma pessoa diz, com orgulho, que há quarenta anos
torce pelo mesmo time. Fico a pensar no que ela perdeu de vida, alegria e
descoberta nesse tempo todo, de oportunidade de apreciar a qualidade dos
demais, a beleza da camisa dos outros, a virtudes dos antagonistas, o estilo
dos adversários. No afã de querer a vitória das suas cores, quantas outras
vitórias dos outros ela deixou de fazer também suas, quantas alegrias perdeu.
A rigor não sabemos o que estamos fazendo para renovar o que há de
antigo em nós. Em geral, nada. Não me refiro ao que há de permanente, pois o
ser humano é feito de permanências e provisoriedades. As permanências (ligadas
às essências) devem ficar. Mas as provisoriedades que se tornaram antigas,
paradas e repetitivas e que ali estão remanescentes por nossa preguiça de
examiná-las ou por nossa incapacidade (medo) de removê-las, estas precisam ser
revistas, checadas, postas em discussão, em debate e arejamento.
… Criar é manter a vida viva. Criar é ganhar da morte. Morte é tudo o
que deixou de ser criado. Criatividade é, pois, um conceito imbricado no de
vida. Não há como separar os dois conceitos. Vida é criação e criação é vida.
Só criatividade nos dará uma possibilidade de solução para cada desafio novo.
As soluções jamais se repetem. Nós é que nos repetimos por medo, comodismo ou
burrice. Adoramos repetir, tememos renovar, por isso tanto sofremos.
[TÁVOLA, Artur da - Cada um no meu lugar - Crônicas - Editora Nova
Fronteira, 1984, pg.63]
Show de bola o blog. Administradora criativa!!
ResponderExcluirMuito obrigada primo ! Estamos aqui pra lhe servir :) hehe. Beijão !
ResponderExcluirDeus continue te usando e fazendo a glória dEle resplandecer em tí !!!
ResponderExcluirSuper Améém :D
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