quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A estrada menos trilhada

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Acordei pensando no caminho estreito, aquele pouco trilhado, sem grandes atrativos.
Antes, confesso: nem sempre escolhi essa estrada. Feito uma mariposa, passei anos voando, desesperado, em busca de luzes. Eu desejei o brilho da fama. Tantas vezes ansiei desfilar em passarelas largas. Eu queria ser reconhecido.
Depois de tanto tempo, contemplo meus antigos passos e noto como rodopiei. Patinei também. Tentava alçar voo, fascinado pelo lume do prestígio, mas me sentia cansado. As lamparinas que cobiçava eram falsas. Ultimamente, não sei se devido à idade, às decepções ou mesmo a uma revelação divina, passei a interessar-me por trilhas menos atrativas. Nessa metanóia, lembrei do poeta norte americano Robert Frost.
Conto um pedacinho de sua história. Frost ganhou prestígio ainda jovem. Desde cedo, ele já sobressaía como poeta de primeira linha. Tanto que amealhou quatro prêmios Pulitzer. Notório, prematuramente, chegaram os convites. De todas as partes vinham apelos para que Frost escrevesse sob encomenda. Bastava aceitar e ele se colocava a um passo do estrelato e da riqueza. Todavia, Frost encarava esses convites como um canto de sereia; sedutor, mas mortal para a alma. Parecia-lhe melhor continuar em sua árdua vocação de professor universitário, preferindo uma vida discreta, às badalações do sucesso.
Ele se mostra no poema, The Road not taken – “A Estrada não percorrida”. A tradução livre do poema para o português revela a grandeza da vida e obra de Robert Frost:
Duas estradas divergiam numa árvore amarela
E me ressenti não poder ambas percorrer
Sendo um só viajante, por muito me detive
E observei uma até quão longe pude
Só para observar que na relva desaparecia
Então segui pela outra, tão boa quanto,
E talvez por ter melhor reclame
Mais ramos possuía e talvez por ansiar uso
embora, quanto a isso, o caminhar, no fim,
as tivesse marcado por igual.
E, naquela manhã, em ambas igualmente jaziam
Folhas que passo algum pisara.
Ó deixei a primeira para outro dia!
E sabendo que um caminho leva a outro caminho
Duvidei se algum dia eu voltaria.
Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro
Em algum ponto, eras e eras ainda nesta existência,
Duas estradas bifurcavam numa árvore,
Eu trilhei a menos percorrida,
E isto fez toda a diferença.
Robert Frost já tinha 86 anos de idade quando John Kennedy o convidou para ler sua poesia na cerimônia em que foi inaugurado presidente dos Estados Unidos – 20 de janeiro de 1961. Frost havia escolhido a estrada menos percorrida, e naquela manhã viu que tinha feito toda a diferença.
Jesus contou uma parábola sobre certo semeador. Enquanto o homem jogava as sementes, parte delas caiu em terreno duro. Nenhuma das sementes que pousaram na terra batida frutificou. A vida não germina em terra pisada. No caminho por onde segue a maioria, o chão se pavimenta. Muita gente se espreme na mesma estrada e logo nascem as contendas. A rivalidade para não deixar lugar para o outro gera inveja, com ela, vem a briga e com a briga, os corações se empedram. Os Narcisos se odeiam. Os Neros desconfiam da própria sombra.
Quem opta pelo caminho menos atraente abre mão dos aplausos, dos tapinhas nas costas e dos confetes. Daí poucos preferirem discrição. As conquistas dos grandes heróis custam um preço alto. E as multidões ambicionam a porta larga por ela parecer, exatamente, mais fácil.
Plutarco escreveu a hagiografia (biografia ufanista) de Júlio César. Júlio César foi, com certeza, um dos imperadores de maior glória em todos os tempos. Ele marcou a história de tal maneira que vários sucessores ao trono romano adotavam seu nome. Augusto, Marco Aurélio, também queriam ser César. Até os reis da Rússia passaram usar o título Tsar – César em russo; os germânicos queriam ser Keiser- César em alemão.
Acontece que o próprio Júlio César vivia insatisfeito. Ele invejava Alexandre, o Grande. Plutarco narra o dia em que flagrou Júlio César chorando enquanto lia a vida do imperador da Macedônia. Plutarco lhe perguntou o motivo das lágrimas: “Choro não por Alexandre, que morreu tão cedo, mas por mim. Com a minha idade Alexandre já havia conquistado o mundo e eu nada fiz”.
Se muitos queriam ser iguais a Júlio César, ele, angustiado, procurava ser uma cópia de Alexandre. Para piorar, Alexandre também não estava satisfeito consigo mesmo, ele ambicionava ser uma réplica de Hércules. Eis o nó: o personagem mitológico, Hércules, não existia.
O caminho mais batido acaba em lugar nenhum. A luta por ser o melhor termina no desespero de alcançar a perfeição absoluta. Esse absoluto cobra dos humanos um padrão que só os deuses mitológicos alcançam.
O anonimato não diminui ninguém. A singeleza não significa mediocridade. Ninguém deve pensar que jogou a vida fora por não experimentar as luzes da ribalta. Gravar o nome na calçada da fama carrega muito pouco brilhantismo. Tudo um dia há de virar pó. A glória humana se dispersa em nada. Melhor dedicar-se a construir relacionamentos significativos. Infinitamente superior é priorizar encontros despretensiosos. Doar-se a pessoas que sequer têm condições de agradecer, vale mais que a solidão que envolve os ídolos.
Cada um precisa abrir a própria picada. Para isso, é necessário evitar as bitolas, os cabrestos, as vendas. Compete a cada um escrever sua história sem preocupar-se se os outros a valorizarão. Só a própria pessoa sabe o valor do instante experimentado. Um dia, com um suspiro, todos veremos que duas estradas bifurcaram; lá, diremos se valeu ou não ter viajado na menos percorrida.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim

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